Ouvir cores, saborear sons, cheirar palavras: a Sinestesia
1876, Academia Real de Música de Budapeste. Frank Listz impacienta-se de novo com os seus músicos. Continuam a tocar “demasiado rosa” quando ele pretende que toquem… “um pouco mais azul”. Kadinsky via cores ao ouvir música e pintava sinfonias, Rimbaud escrevia poesia tendo em conta as matizes das vogais.
Há pessoas que ouvem cores, vêem sons, saboreiam nomes, sentem um toque quando o veem ser dado noutra pessoa. Pessoas que nem estão doentes, nem estão sobre o efeito de drogas! São, simplesmente, sinestésicas.
Imagine-se a acariciar um gato, e simultaneamente perceber um sabor a baunilha. Ou o som da guitarra nas músicas de Xutos e Pontapés aparecer-lhe sempre numa torrente de luz lilás. E não é imaginação! Acariciar o gato sabe mesmo a baunilha, e os sons de guitarra são mesmo lilases.
É este o surpreendente mundo de alguém que possui um, ou mais, da quase centena de tipos de sinestesia já documentados.
A que cheira o amarelo?
A sinestesia é uma condição neurológica na qual a estimulação de um sentido conduz a experiências automáticas e involuntárias num segundo sentido. Pessoas sinestésicas, entre 1% e 4% da população, experienciam a combinação de dois ou mais sentidos : a música pode ter sabores ou cores, palavras podem invocar diferentes aromas, vozes podem fazer aparecer sensações tácteis.
A Sinestesia é diferente das alucinações. Estas últimas não têm qualquer padrão previsível, enquanto que as sensações sinestésicas acontecem sempre da mesma forma: para uma pessoa em particular o 7 é sempre verde, o sabor a baunilha aparece sempre que acariciam um gato e os acordes de uma guitarra fazem surgir bolhas douradas a voar.
Veja um vídeo que descreve uma sensação sinestésica:
Crianças sinestésicas na Escola / em casa
O conhecimento acerca da existência da sinestesia pode ajudar um professor a reconhecer e proporcionar estímulos e modificações adequados a um aluno sinestésico.
É importante perceber as necessidades sensoriais, os factores que ajudam e os que prejudicam. Todos os alunos aprendem e apreendem de formas distintas e, obviamente, alunos sinestésicos não são excepção.
Alguns aspectos da Sinestesia que podem afectar negativamente os alunos:
- O conteúdo sensorial “extra” pode ser extremamente distractor (imagine-se a voz do professor ser acompanhada por belos aromas ou luzes saltitantes).
- A partilha das sensações com colegas, familiares ou professores leva normalmente a que estes rotulem negativamente a criança, acusando-a de estar a ser “ridícula”, ”mentirosa”, tentar chamar a atenção, ou preocuparem-se com a existência de alguma condição perniciosa (é muitas vezes confundida com alucinações ou esquizofrenia).
- A associação de cores específicas a números e letras concretos pode provocar dificuldades na leitura e matemática caso o professor use cores nesses mesmos elementos ( para uma criança com este tipo de sinestesia – letras e cores – um T, por exemplo, é verde. Se for amarelo já não é um T) .
- A velocidade de processamento de informação é muito mais lenta quando não são “respeitadas” ( 99% das vezes por puro desconhecimento) as condições sensoriais da criança sinestésica.
A sinestesia pode, e deve, ser compreendida e estimulada de modo a permitir à criança um desenvolvimento harmonioso e pleno, explorando e aceitando ao máximo as suas capacidades:
- A sinestesia não é mais que uma forma de percepção em que se verifica um cruzamento entre dois ou mais sentidos.
- Um educador pode ajudar um aluno perguntando e explorando qual a sua condição perceptiva (por exemplo, que cores estão associadas a que letras e números).
- Explicar à criança o que é perceber com um sentido ou com dois ou mais, e que nenhum é melhor que o outro, apenas distintos.
- Pequenas adaptações em casa, na sala de aula podem fazer maravilhas para potenciar a percepção e eliminar distrações para a criança sinestésica.
Aos poucos vamos sabendo mais sobre esta curiosa condição que é a sinestesia, e como aproveitar o que tem de bom, e minorar o menos bom. Entretanto, se alguém descobre os 2 no meio dos 5 demasiado rápido… talvez os veja assim: